top of page

Upgrade (2018)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 16 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 14 de mai. de 2024

Direção: Leigh Whannell

Roteiro: Leigh Whannell

Elenco principal: Logan Marshall-Green (Grey Trace), Melanie Vallejo (Asha Trace), Harrison Gilbertson (Eron), Betty Gabriel (detetive Cortez), Bento Hardie (Fisk), Simon Maiden (STEM, voz).

ree
Logan Marshall-Green é Grey Trace em Upgrade

"Upgrade" é uma daquelas gratas surpresas lançadas sem muitos alardes de marketing, cuja produção financeiramente modesta não limitou todo seu alcance criativo. A narrativa de Whannell desenvolve uma excelente história de ficção científica/ação, ambientada num futuro distópico e repleta de sacadas "críticas" em relação a um suposto progresso social e humano advindo dos avanços técnico-científicos. A obra se debruça, essencialmente, sobre o aspecto nocivo e certas implicações ético-sociais no uso das famigeradas “Inteligências artificiais”, articulando uma trama de vingança com muita ação estilizada. O enredo de “Upgrade” acompanha o mecânico de carros antigos Grey Trace (Logan Marshall-Gree) e sua esposa Asha Trace (Melanie Vallejo) que trabalha na corporação Cobolt, desenvolvedora de protótipos e implantes para soldados mutilados. Durante o retorno do laboratório do gênio da engenharia computacional Eron (Harrison Gilbertson), a quem Grey havia reformado um carro antigo, o casal acaba vítima de uma quadrilha de ciborgues mercenários que assassina Asha, deixando Grey paraplégico. Imobilizado do pescoço para baixo, devastado pela inutilidade física e pela perda da esposa, o mecânico tão avesso às maravilhas tecnológicas, acaba aceitando a oferta de Eron para implantar uma "I.A" em seu organismo, o que lhe devolveria, entre outras coisas a possibilidade de andar novamente. Constatado o milagre representado pelo implante da estrutura de microchip em sua medula, o que não só lhe possibilita todos os movimentos, como também uma capacidade cerebral extraordinária e habilidades físicas fenomenais, o protagonista parte numa jornada frenética de vingança contra os assassinos de sua companheira, descobrindo segredos escabrosos e verdades insuportáveis que conectam sua tragédia diretamente à tecnologia inserida em seu corpo. O roteiro de “Upgrade” embora apresente uma estrutura narrativa bastante convencional no que se refere às tramas de vingança, onde um herói ferido mental e fisicamente parte numa caçada implacável contra seus algozes, surpreende ao introduzir discretamente outros plots que tornam a história mais complexa e robusta, evidenciando que as desgraças recaídas sobre o herói, não possuem uma razão tão banal e evidente, como a princípio tanto o personagem de Marshall-Gree, quanto o espectador é levado a acreditar, numa subversão contundente de expectativas. Os sub-arcos da detetive Cortez (Betty Gabriel), responsável pela investigação dos homens que assassinaram Asha, assim como de Eron, pai do milagre científico do STEM, encaixam-se de forma sóbria aos acontecimentos que o agora implacável justiceiro passa a perpetrar, a primeira desconfiando de uma ligação curiosa entre o amargurado paraplégico (o sujeito tenta manter as aparências apesar da transformação) e as mortes cruéis daqueles suspeitos de sua investigação e o segundo, tentando de alguma forma conter o ímpeto destrutivo de Grey, impulsionado por um poder inteligente e descomunal, que foge a qualquer controle (vale ressaltar que a cirurgia de implante do STEM aconteceu de forma secreta e ilegal).

ree
Leigh Whannell impressiona com movimentos de câmera criativos e arrojados durante a ação

A recorrente reflexão acerca dos conflitos entre humanidade e máquinas (caracterizados, sobretudo, pelos ciborgues mercenários e pelo STEM) exploradas em obras clássicas do cinema como “2.001 Uma Odisséia no Espaço", 1968, Stanley Kubrick, “Matrix", 1999, Lana e Lily Wachowski e “Robocop", 1987, Paul Verhoeven aparecem em “Upgrade” não só representados pela tentativa de subjugação física e mental do STEM sobre o herói, como também nas intenções de dominação coercitiva e controle social dos seres humanos por uma espécie de raça superior, concebida através do hibridismo orgânico e tecnológico, personificados pelo bando de Fisk (Bento Hardie), personagem com uma série de implantes biônicos, cuja expressão facial (talvez intencionalmente) emula de certa forma, a caricatura do perverso supremo líder da Alemanha Nazista. Não obstante, o filme revela um futuro em que avanços científicos e técnicos não significaram a superação das desigualdades sociais, da pobreza e da violência, chamando a atenção inclusive para um tipo de sociedade vigiada, submetida pelas forças policiais repressivas de um Estado fascistoide onipresente com câmeras de vigilância e drones por todos os lados. O design de produção consegue retratar, ainda que de forma comedida, submundos, ambientes secretos e noturnos, ruas sujas e fumacentas, além da devastação urbana com suas construções decadentes, perpassadas por atividades criminosas relacionadas à uma realidade anárquica e antissistema, ressaltados pelos efeitos estilosos da fotografia com sua baixa iluminação captando com pungência a atmosfera sombria e insólita daquele contexto. A direção de Leigh Whannell (que também assina o roteiro) imprime ritmo intenso e envolvente na condução das cenas indo direto ao ponto e conseguindo amparar seu enredo de vingança e de ação por meio de reflexões existenciais e sociais bastante sóbrias, não muito aprofundadas é verdade, porém, conferindo ao longa uma experiência que vai além do mero entretenimento. Além disso, a preocupação em estabelecer uma dinâmica narrativa própria para a ação focada nos movimentos do protagonista, principalmente em cenas de combate, onde uma câmera arrojada, versátil e estilizada em sua dinâmica eclética de ângulos vigora, acaba ratificando o virtuosismo e a competência do realizador, empenhado em sua estilização original da ação. Soma-se a isto a violência exacerbada advinda de sequências de lutas corporais performáticas, de um absoluto perfeccionismo cênico, terminadas com muito sangue e dilacerações físicas (referência clara ao terror gore). Logan Marshall-Green interpreta com solidez e contundência um sujeito cuja mente e corpo acabam dominados por uma força artificial “parasitaria” que o engana sorrateiramente e lhe rouba definitivamente a consciência. Os movimentos, gestos e expressões faciais do ator são perfeitamente modulados e bem executados, principalmente, nos momentos de ação (percebe-se claramente que o STEM ao tomar o corpo do protagonista executa os golpes com precisão, habilidade e brutalidade, ao passo que o rosto de Grey escancara surpresa, incômodo ou repulsa diante do que ele mesmo foi capaz de realizar). O conflito entre inteligência artificial e homem se desloca para a disputa pelo corpo humano do herói, transformado em refém de um poder que o ultrajou desde o início, provando que os instintos relutantes do personagem acerca das interferências tecnológicas na vida ordinária tinham lá sua razão de ser. Cabe mencionar ainda que “Upgrade” é mais uma daquelas narrativas que dialogam com mito de Prometeu, na esteira também do clássico literário Frankestein quando ao discorrer acerca de projeções e criações humanas extraordinárias, fruto de ambições pessoais desmedidas, demonstram o potencial dominador e destrutível destas realizações consideradas “milagrosas” e que se rebelam subjugando seu próprio criador. Não só Grey torna-se refém e vítima da STEM, como também Eron, o gênio excêntrico que ignorou todas as barreiras éticas e morais, dando vida a uma inteligência tirânica e sobrepujante. Ainda que o longa não aprofunde o potencial de algumas reflexões sociais e filosóficas abordadas, preocupado talvez em atingir um público mais amplo, investindo na ação e na violência estilizada, “Upgrade” consegue oferecer uma trama imersiva e vibrante, cheia de surpresas estimulantes, esquivando-se do óbvio e o mais sensacional, propondo uma experiência fílmica inovadora, apesar do modesto orçamento.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

Comentários


Título 1

  • Preto Ícone YouTube
  • Preto Ícone Instagram
  • Preto Ícone Facebook
  • Preto Ícone Twitter
bottom of page