Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966)
- Ábine Fernando Silva
- 25 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de mai. de 2022
Direção: Mike Nichols
Roteiro: Ernest Lehman
Elenco principal: Martha (Elizabeth Taylor), George (Richard Burton), Nick (George Segal) e Honey (Sandy Dennis).

O longa de estreia de Mike Nichols "Quem tem Medo de Virgínia Woolf" propõe de forma dramaticamente intensa um estudo psicológico acachapante de relações conjugais autodestrutivas, transformando-se em um clássico definitivo de antítese do melodrama para as telas ao concentrar todo o sarcasmo, o cinismo e a beligerância da versão teatral assinada por Edward Albee, cuja inspiração é claramente percebida no brilhante roteiro de Ernest Lehman. O enredo simples, centrado na aparente corrosão afetiva e matrimonial do doentio casal Martha (Elizabeth Taylor) e George (Richard Burton), dois professores universitários de meia idade, alcoólatras, destemperados, irônicos, competitivos e hostis, impressiona em vários aspectos dentre os quais se destacam a profundidade inteligente dos diálogos cortantes, o talento interpretativo de um elenco formidável, o roteiro repleto de plots surpreendentes, além da articulação de uma atmosfera cínica e incômoda potencializada pela fotografia, pelos enquadramentos perscrutadores das performances voluptuosas e pelo design de produção da residencia decadente e sufocante, reflexo do estado mental do instável casal protagonista. Ao deixarem a casa do pai de Martha às altas horas da madrugada, após uma confraternização de boas vindas ao jovem casal Nick (George Segal) e Honey (Sandy Dennis), George não contava com a insensata e inesperada atitude de sua esposa que convidara as mesmas visitas que conhecera na casa do sogro, agora, para uma continuidade do saral em sua bagunçada e decadente residência (pocilga nas palavras da protagonista). À medida que a trama avança e os anfitriões vão interagindo com os convidados (aumentando gradativamente o grau de embriaguez do grupo), uma série de rancores, ironias, desprezos, orgulhos, intenções escusas, traumas e agressividades afloram, revelando feridas, mágoas, frustrações e idiossincrasias próprias de cada personagem. A direção perspicaz de Mike Nichols investe na construção de um clima desagradável, inconveniente e ao mesmo tempo sedutor e estimulante que açambarca o jovem casal recém-chegado, fazendo inclusive com que eles se revelem, subtraindo suas máscaras, desvendando suas personalidades e intenções. Desta forma, Martha ao mesmo tempo em que abertamente flerta com Nick através de olhares, insinuações e gestos libidinosos, destila toda sua raiva impiedosa e frustração contra o marido, a quem julga uma criatura incapaz de ambições (materiais principalmente), ultrapassado, medíocre, acomodado e presunçoso. Tudo leva a crer que a personagem carrega consigo uma angústia profunda por não gerar filhos com o marido (ela parece culpa-lo por isto).

George por sua vez, ao perceber as investidas de sua esposa ao biólogo, provocando-o direta e indiretamente, age com tamanha arrogância cínica e intelectual, desprezando o jovem professor, pregando peças sádicas e hostis no grupo (a cena em que finge assassinar a mulher com um rifle de brinquedo ou a cena em que dança com Honey vertiginosamente fazendo-a vomitar), contando anedotas de caráter duvidoso (uma delas sobre um garoto que involuntariamente acaba matando os pais e que descobrimos que se trata de um romance escrito pelo protagonista) e criando jogos retóricos cheios de maldade e de uma insensibilidade absurdas. O personagem de Richard Burton sabe como manipular os sentimentos da esposa quando se trata de vingança e as sequencias finais demonstram sua resposta à traição de Martha (o personagem cria uma espécie de fantasia de um possível filho que falecera ligando o fato à desonestidade conjugal da esposa). Nick por outro lado, adentra a “roleta russa” de emoções violentas, a bomba relógio de uma noite de bebedeira com anfitriões psicologicamente perturbados, cujo casamento aparenta uma ruína inevitável, embora seja um sujeito que está longe de estar na condição de vítima. Sua hipocrisia e ambição profissional são desveladas sem o menor comedimento quando o efeito dos drinks escancara seus motivos, ressaltando sua união conjugal por interesse financeiro e lançando-o finalmente no adultério sem titubeios com Martha. Honey, a aparentemente comportada e pacata esposa do jovem biólogo conforme vai se soltando e abrindo-se nas despretensiosas conversas (também sob efeito do álcool) deixa transparecer sua infelicidade existencial num casamento de conveniências, sem diversão e autonomia, uma união sem amor e que a jovem negava com seus abortos secretos e com seu fingimento em ignorar a infidelidade do marido. Discorrer sobre a fascinante verve dramática do elenco é chover no molhado, já que basicamente se trata de uma história centrada no estudo de personagens, oriunda do teatro e realimentada nas telonas com vigor e autenticidade. O quarteto inesquecível concorreu ao Oscar em 1966 nas categorias: “ator/atriz principal” (Elizabeth Taylor e Richard Burton) e “ator/atriz coadjuvante” (George Segal e Sandy Dennis), levando as estatuetas com Elizabeth Taylor e Sandy Dennis. “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?” é um filme que lateja intensidade de sentimentos conflitantes e belicosos, acumulando paulatinamente tensão e expectativa em relação ao desfecho de uma alucinante noite de verdades tão nefastas e cruéis de dois casais que “inesperadamente” se confraternizam (na verdade acontece o contrário disto). Após o desfile frenético e insano de verdades caras e feridas expostas a narrativa opta pela calmaria hipócrita da manutenção das aparências ou nos provoca com a tese de que o casal Martha e George se ama de uma forma peculiar, complexa e sadomasoquista.
Por: Ábine Fernando Silva
Comments