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Os Inocentes (1961)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 11 de mar. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 12 de jun. de 2024

Direção: Jack Clayton

Roteiro: William Archibald, John Mortimer e Truman Capote

Elenco principal: Deborah Kerr, Michael Redgrave, Peter Wyngarde, Megs Jenkins, Martin Stephens, Pamela Franklin.

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Deborah Kerr (Senhora Giddens) , Martin Stephens (Miles) e Pamela Franklin (Flora) em "Os Inocentes"

Baseado no conto de Henry James “A Volta do Parafuso”, o estarrecedor terror psicológico de “Os Inocentes” de Jack Clayton chama a atenção pela articulação de uma estilística sombria e ambígua que arrebata o espectador, surpreendido pela manipulação inteligente dos eventos, haja vista a inesperada perspectiva narrativa que ganha corpo próximo ao desfecho do filme, estimulando um olhar completamente novo em relação à natureza dos conflitos engendrados. O enredo se concentra na trajetória da Senhora Giddens (Deborah Kerr), mulher solteira e devotada que aceita o trabalho de governanta/tutora de um casal de crianças órfãs numa mansão de campo no interior da Inglaterra Vitoriana. O solteirão aristocrata e tio dos pequenos (Michael Redgrave) por motivos aparentemente mundanos e egoístas exige total discrição para o cargo, deixando bem claro a contratada, a condição de não ser incomodado por quaisquer problemas que venham a ocorrer no local. Como se não bastasse a indiferença insistente em relação aos cuidados com os sobrinhos, o sujeito ainda revela a trágica morte da ex-governanta, assunto que deveria ser mantido em sigilo. Após aceitar a tarefa sob intrigantes circunstancias, a personagem de Debora Kerr parte em direção à grande propriedade imbuída de boas intenções afetivas e pedagógicas, disposta a orientar com zelo e dedicação a rotina dos pobres órfãos. Conforme o tempo passa, Giddens fica a par dos eventos imorais e terríveis ocorridos anteriormente na residência envolvendo o falecido Peter Quint (Peter Wyngarde), um malicioso e mundano serviçal da família e a já sabida falecida Senhorita Jessel (Clytie Jessop), a ex-governanta. Convencida da influência nefasta dos antigos amantes e empregados da mansão sobre os irmãos Flora (Pamela Franklin) e Miles (Martin Stephens), a religiosa tutora concentra suas energias e fé para enfrentar fenômenos bizarros e aparentemente inexplicáveis, “acreditando” estar salvando os jovens inocentes de uma espécie de maldição possessiva. O roteiro do filme costurado a três mãos (William Archibald , John Mortimer e o famoso escritor Truman Capote) bebe diretamente do original de Henry James, alinhando seu tom narrativo ao clássico literário e apostando na construção de diálogos intensos e contundentes. A trama se estrutura numa ambiguidade sutil e criativa dos eventos, desenvolvidos a partir da perspectiva da protagonista, uma mulher cujo passado quase nada se sabe, exceto o traço evidente de uma personalidade religiosa pujante, fruto de uma severa educação puritana. Ora, a bem intencionada tutora ao se aproximar das crianças tentando lidar com a confusão sentimental que as tornaram tão carentes e solitárias (órfãs e abandonadas pelo tio), passa a estabelecer uma série de conjecturas e diagnósticos enviesados que inevitavelmente desencadeiam os supostos elementos fantasmagóricos e sobrenaturais do enredo. Desde as dolorosas informações colhidas com o indiferente contratante até a chegada e o estabelecimento na misteriosa mansão de campo, cada detalhe apresentado à novata, os comentários da Senhora Grose (Megs Jenkins) e das crianças, a foto de Quint, os esclarecimentos do colégio ao expulsar Miles, acabam por manifestar certa tendência peculiar para encarar aqueles fenômenos e assim julgá-los sob um ótica bastante particular, permitindo que Giddens acredite cumprir uma missão pretensamente piedosa e superior, espiritual e redentora, deixando, ao mesmo tempo, transparecer uma faceta instável, doentia e pervertida especialmente quando a moça se propõe a diagnosticar os problemas do perturbado garotinho, recorrendo a uma espécie de método freudiano nada convencional.

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Peter Wyngarde (Peter Quint) e Deborah Kerr (Giddens) em cena misteriosa, assustadora e ambígua

Somente a personagem de Kerr vê os fantasmas dos empregados, ouve vozes, percebe a ameaça da conexão de Flora com Jessel e identifica com desaprovação os modos não civilizados e a malícia do menino como uma força demoníaca emanada do espírito de Quint. Por outro lado, o espectador também pode encarar todos aqueles estranhos fatos a partir de uma leitura mais superficial da mensagem do enredo, identificado-se incondicionalmente com essa postura heroica e materna, obcecada em extirpar um mal que paira sobre os pobres inocentes, embora o final do filme lance um verdadeiro balde de água fria nesta leitura simplista do enredo. Alguns temas instigantes podem ser identificados de forma mais ou menos explícitas na obra como a importância da presença familiar na formação do caráter dos jovens, os perigos da carência infantil e da desatenção afetiva, a inaptidão dos adultos em lidar com a curiosidade das crianças sobre o sexo, tomando-o como tabu ou pecado, o cometimento de abuso físico e psicológico disfarçado de bondade, além das consequências nefastas de uma educação religiosa e castradora. O elemento de terror psicológico que o roteiro articula com habilidade, fundado nessa incerteza da sanidade e do equilíbrio mental da governanta/tutora acontece também pela articulação de uma cinematografia perspicaz que aproveita a profusão dramática da encenação para desorientar o público em relação ao que pode ser real ou não, propondo basicamente dois tipos de ameaça possíveis: a ameaça sobrenatural ou a ameaça humana de uma educadora fanática. Jack Clayton lança mão de um estilo todo formal e elegante em sua decupagem, explorando os ambientes austeros e espaçosos, caracterizados por uma estética clássica e sombria que açambarca toda propriedade, construindo uma relação bem interessante entre os elementos cenográficos e os personagens, suscitando mistério, dúvida e tensão. O cineasta inglês conduz tudo com muita sobriedade, perseguindo os efeitos dramáticos que viabilizam, primeiro, a identificação do espectador com a perspectiva da Senhora Giddens, para depois, no terceiro ato, evocar a ambiguidade e a incerteza dessa perspectiva da protagonista, revelada agora sob uma ótica destoante e porque não, verdadeiramente maléfica. Além disso, a fotografia em preto e branco de Freddie Francis, suave e solene em seu sensível jogo de luz e sombra potencializa ainda mais essa atmosfera lúgubre de terror, marcada inclusive, pelo uso estratégico e um tanto sinistro da canção romântica “O Willow Wally" de Paul Dehn, cantarolada algumas vezes pela doce Flora em cenas bem sugestivas. "Os Inocentes" se aproveita bem da ótima direção de atores de Clayton e da intensidade dessa química dramática entre Débora Kerr, Martin Stephens e Pamela Franklin. Kerr, uma das maiores atrizes de sua geração, dá vida a uma Senhora Giddens bondosa e dedicada que em determinado momento é capturada pela instabilidade emocional e a religiosidade fanática, revelando-se no fim das contas, uma figura ambígua, reprimida e atormentada. Martin Stephens entrega um Miles travesso e cheio de vida, cuja solidão e a ausência familiar, sobretudo paterna, fazem o garoto tornar-se rebelde e emular a lascívia e o mau exemplo de Quint. Já Pamela Franklin interpreta uma Flora gentil e educada, mas que possui uma personalidade triste e delirante, resultado também da solidão, da tragédia familiar e dessa ligação sentimental mal resolvida com a finada Senhorita Jessel. “Os Inocentes” tornou-se um clássico cult incontestável e um dos melhores filmes do gênero nos anos 60, inspirando gerações e também outras “voltas no parafuso” ao longo do tempo como “A Inocente Face do Terror, 1972, Robert Mulligan”, “Os Que Chegam com a Noite, 1972, Michael Winner”, “Os Outros, 2001, Alejandro Amenábar”, além da recente série da Netflix “A Maldição da Mansão Bly, 2020, Mike Flanagan”.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

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