top of page

Olhos Sem Rosto (1960)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 26 de mar. de 2021
  • 3 min de leitura

Direção: Georges Franju

Roteiro: Jean Redon, Claude Sautet, Thomas Narcejac, Pierre Boileau, Pierre Gascar

Elenco principal: Édith Scob, Alida Valli, Pierre Brasseur, Juliette Mayniel, François Guérin, Béatrice Altariba.

ree
Édith Scob é Christiane em "Olhos Sem Rosto" de Georges Franju

Enredo de terror psicológico construído sutilmente através do mistério e da sugestão “Olhos Sem Rosto” aborda a soberba insana e inescrupulosa de um médico cirurgião plástico que forja a morte da única filha (vitimada num acidente automobilístico) numa busca obsessiva de reconstruir-lhe a face, totalmente desfigurada, utilizando para isto, uma cúmplice assistente que atrai jovens moças de aparência peculiar até o local dos macabros experimentos, onde terão seus rostos meticulosamente demovidos pelas habilidosas mãos do terrível doutor. O roteiro de “Olhos Sem Rosto” converge para o suspense e o terror através da contenção narrativa, suscitando ambiguidades em relação às intenções dos personagens centrais e protelando até certo ponto algumas evidências e motivos da trama no melhor estilo Alfred Hitchcock. As ações do Doutor Génessier (Pierre Brasseur) são frutos de uma mente perturbada, ambiciosa e maquiavélica que utiliza a Ciência como um meio para satisfação de um desejo pessoal de grandeza, imoral e antiético, muito embora mascare tal justificativa com a suposta boa intenção paterna de entregar uma vida nova a Christiane (Édith Scob) que vive no anonimato dentro da luxuosa mansão, amargurada com uma existência que lhe repugna, representada pelos “olhos sem rosto”, símbolo da anulação narcísica e identitária. O filme apresenta algumas camadas narrativas que não se concluem satisfatoriamente, ainda que orbitem em torno dos acontecimentos que envolvem o médico e sua assistente Edna Gruber (Juliette Mayniel), como a investigação acerca dos desaparecimentos das jovens mulheres que chega a contar com a participação do noivo de Christiane, Jacques Vernon (François Guérin) intrigado e desconfiado até certo ponto de que sua amada de fato não havia morrido. A ambiguidade de princípios e o mistério que cercam a figura do doutor Génessier são deixados de lado à medida que o expectador compreende o desejo obsessivo e psicopata do personagem de obter êxito científico a todo custo, utilizando Edna como isca (convencida das potencialidades do cirurgião que lhe reconstituíra a face com perfeição) e manipulando a própria filha, cobaia de suas inúmeras tentativas de reconstrução estética facial. Christiane encarna a ingenuidade delicada, a bondade humana condenada ao grotesco e às sombras, uma personalidade sensível sujeita à dissimulação paterna e autoritária que a infantiliza e a priva da liberdade em nome da ambição pessoal e do poder. Georges Franju constrói o terror psicológico de forma reticente, mais escondendo do que mostrando, optando pela frieza sugestiva das ações violentas, numa decupagem de planos apurados e enquadramentos delicados que se interessam pelos ambientes, cenários e personagens, estabelecendo relações semânticas pertinentes entre estes elementos. A opulência e elaboração dos espaços privados, por exemplo, sobretudo àqueles relacionados ao médico comunicam sua altivez e arrogância de forma singular.

ree
Edna (Juliette Mayniel) e o Doutor Génessier (Pierre Brasseur) cúmplices de crimes e experiências macabras

As interpretações notoriamente teatrais exploram uma expressividade quase caricatural, no entanto, combinam com a proposta do terror psicológico e sugestivo, onde os sentimentos e as emoções encontram vazão nos olhares, nos gestos, na forma expansiva ou contida de se comunicar. Há uma tristeza sombria e mórbida na condução das cenas no interior da mansão em que Christiane se encerra em sinergia com a música e a fotografia em preto e branco, bem iluminada, com belos efeitos de sombras e de uma beleza contemplativa que remete ao macabro, suscitando a melancolia e a solidão da personagem carregada pela dor da devastação de sua auto-imagem, pela reclusão do mundo e pela culpa de que sua existência, de alguma forma, impulsiona as ações nefastas do pai. O drama dos “olhos sem rosto” expurga-se no gesto de libertação já que num ímpeto inesperado e subversivo a jovem desfigurada retoma sua autonomia dando um ponto final aos assassinatos perpetrados pela doentia dupla, libertando a última garota sequestrada já na mesa de cirurgia, assassinando a cúmplice Edna e literalmente soltando os cachorros encima do doutor Génessier, destroçado por suas pobres cobaias (gesto da criatura que se volta contra o criador). O paralelo de “Olhos Sem Rosto” com o romance “Frankenstein, 1823, Mary Shelley” é instantâneo, inclusive, levando em consideração a manifestação insana das ambições pessoais que utilizam o saber científico para romper barreiras éticas e morais representados pela figura do cirurgião plástico, ou então, pela maneira reclusa, melancólica e triste de Christiane, uma criatura doce condenada ao alheamento social pelo próprio pai e aos tormentos psicológicos em virtude de seu aspecto facial fantasmagórico e dos assassinatos cometidos em função de sua tragédia pessoal. Georges Franju reedita o terror clássico com uma sensibilidade estética aguçada em “Olhos Sem Rosto” conseguindo ser perturbador e indutivo ao aproveitar-se do poder simbólico e sugestivo de suas poderosíssimas imagens.


Por: Ábine Fernando Silva






 
 
 

2 comentários


bruno sahara
bruno sahara
29 de mar. de 2021

Parabéns mano!

Curtir
Ábine Fernando Silva
Ábine Fernando Silva
29 de mar. de 2021
Respondendo a

Valeu mano... Tamo junto!!! 🙏

Curtir

Título 1

  • Preto Ícone YouTube
  • Preto Ícone Instagram
  • Preto Ícone Facebook
  • Preto Ícone Twitter
bottom of page