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Entre Facas e Segredos (2019)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 18 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 25 de mar. de 2021

Direção: Rian Johnson

Roteiro: Rian Johnson

Elenco principal: Benoit Blanc (Daniel Craig), Marta Cabrera (Ana de Armas), Hugh Ransom Drysdale (Chris Evans), Linda Drysdale (Jamie Lee Curtis), Walter Thrombey (Michael Shannon), Richard Drysdale (Don Johnson), Joni (Toni Collette), Elliot (Lakeith Stanfield), Harlan Thrombey (Christopher Plummer), Fran (Edi Patterson).

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Thriller policial de Rian Johnson no melhor estilo Agatha Christie e Arthur Conan Doyle

Suspense policial no melhor estilo Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, “Entre Facas e Segredos” se vale de um intrigante enredo investigativo, mas com um tom tragicômico afiado para contar a velha história de um suposto “assassinato” em família por motivos financeiros e materiais, colocando os herdeiros Thrombey e as empregadas do casarão (enfermeira e governanta) sob a mira geniosa, instintiva e sagaz do detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), misteriosamente contratado para apurar o que seria até então o suicídio do escritor e milionário Harlan Thrombey (Christopher Plummer). Engana-se quem pensa que se trata de mais uma história policial envolvendo assassinato em família numa misteriosa mansão, pelo contrário, “Entre Facas e Segredos” possui qualidades narrativas que saltam aos olhos e que vão além da própria trama, bem amarrada e envolvente. O roteiro criativo, carregado de ironias e críticas sociais importantes e atuais (a mesquinhez classista dos abastados, a xenofobia repugnante dos Thrombey, o machismo hipócrita expresso nas relações de poder, a pseudo identificação modista com as causas de minorias oprimidas, a futilidade de rede social expressa na personalidade, etc.) se concentra na revelação ou desmascaramento das personalidades, explorando o potencial de um elenco formidável, com situações engraçadas, dramáticas e tensas, além de diálogos impertinentes e ácidos, que vão deixando pistas ao público através de meias verdades, omissões, mentiras e, sobretudo, desconstruindo a carapuça hipócrita e trazendo à luz a verdade acerca de motivos intenções dos Thrombey. Cabe reforçar que a sutileza do roteiro em estimular clima e promover reviravoltas, maturando os fatos e mantendo mistério é de encher os olhos e surpreender (coube indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original). A direção de Rian Johnson que também assina o roteiro acerta em cheio em apresentar os personagens ao público durante o interrogatório policial ao passo que modula o suspense e a intriga gradativamente demonstrando pensamentos, atitudes e falas dos interrogados que divergem dos depoimentos, o que faz o expectador naturalmente suspeitar de todos e criar expectativas em relação aos métodos e artimanhas que Benoite Blanc deverá dispor para chegar a uma resposta plausível ou elucidativa. Basicamente toda a trama que gira em torno da investigação do possível assassinato do velho Harlan se desenvolve dentro das dependências da mansão, local que diz muito sobre a personalidade do escritor, um misto de museu, biblioteca e antiquário, evidenciando o primoroso trabalho do design de produção que alinha com perspicácia os objetos e cenário às situações dramáticas específicas e aos personagens, construindo uma semântica colaborativa e inteligente. Além disso, “Entre Facas e Segredos” conta com uma edição e montagem bem orquestrados, estrategicamente encaixados o que nesse tipo de enredo policial é decisivo e crucial. Apesar das qualidades técnicas do longa serem percebidas explicitamente no roteiro, atuações e edição/montagem, a música, mixagem de som e design de produção também dão a tônica da excelência do conjunto, ressaltando o domínio e a manipulação precisa de etapas da direção de Rian Johnson.

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Lakeith Stanfield (Elliot), Noah Segan (Trooper Wagner) e Daniel Craig (Benoit Blanc)

Ao comemorar seu aniversário de 85 anos o escritor Harlan Thrombey recebe em sua ostentosa mansão toda família, composta por filhos, genro, noras e netos, todos de alguma forma, beneficiários ou dependentes da fortuna construída pelo velho patriarca. Sua morte misteriosa na noite de seu aniversário (a princípio considerada como suicídio) põe em xeque toda a família, enfermeira pessoal e governanta, à medida que vamos testemunhando, durante as implacáveis e inusitadas investidas do cerebral detetive Blanc, motivações inescrupulosas, desejos contrariados, corrupção, falsidades e traições dos até então insuspeitos herdeiros e empregados da “vítima” (tudo orbitando o destino da herança que para surpresa e desespero da família do velho Harlan é delegada a jovem Marta). Os Thrombey, em sua maioria, explorados com maestria pelo roteiro e pela direção dão um espetáculo de tipos humanos medíocres, modernos, representativos de um espectro político e social privilegiado que se auto legitima pela falsa meritocracia, pelo legalismo conservador e por uma consciência racista e xenófoba espontânea e natural. Destaque para Linda Drysdale (Jamie Lee Curtis), a primogênita classista, autoritária, soberba, que não se dá conta da infidelidade do marido Richard Drysdale (Don Johnson), canastrão preconceituoso e oportunista. Vale ressaltar os personagens de Joni (Toni Collette), a fútil espoliadora do sogro, assim como o caçula Walt Thrombey (Michael Shannon), administrador da editora do pai, sujeito ambicioso, inescrupuloso, de caráter e intenções duvidosas e finalmente o neto Hugh Ransom Drysdale (Chris Evans) o playboy debochado, inconsequente, arrogante, ardiloso, personagem que ganha dimensão e importância no desenrolar dos acontecimentos. Do outro lado, temos as empregadas de Harlan, a governanta Fran (Edi Patterson), perscrutadora e conhecedora de cada indivíduo da família, usuária de drogas e peça chave na elucidação do suposto assassinato, assim como a jovem enfermeira Marta Cabrera, vivida por Ana de Armas, filha de imigrantes ilegais, confidente e amiga do falecido, parece ser a única a realmente sentir a morte do patrão. A jovem representa o que há de mais genuíno e sincero em termos humanos em relação aos personagens do enredo, com sua bondade solidária, ingenuidade espontânea e firmeza de princípios (psicologicamente impossibilitada de mentir e ao fazê-lo sob pressão, acaba regurgitando). Quanto à equipe investigativa, o tenente Elliot (Lakeith Stanfield) tem presença firme, mas discreta (o roteiro não o explora tanto em virtude de Blanc), da mesma forma que o agente Wagner (Noah Segan), conhecedor de filmes e dos romances de Harlan. Já Benoit Blanc (Daniel Craig) é sem dúvidas uma das grandes atrações da trama, com sua irreverente excentricidade, intuição e instinto aguçados, o detetive vai farejando contradições, levantando hipóteses e perscrutando personalidades e de forma desinteressada ou distraída (aparentemente) chegando a evidencias e respostas cruciais (o clímax da trama, por exemplo, concentra-se no brilhantismo lógico e eloquente do detetive que finalmente destrincha toda a verdade sobre o caso). Discorrer sobre a qualidade do enredo deste longa, construído em função da complexidade criativa e psicológica de personagens é gastar o verbo de maneira prazerosa e produtiva, isto porque “Entre Facas e Segredos” é um filme teatral, no sentido literal, de veia dramática pulsante e que merece ser revisto algumas vezes para apreensão de detalhes involuntariamente inadvertidos. A crítica social implacável, irônica e hilária que entrecorta a narrativa salienta a perspectiva de mundo de Rian Johnson impiedosa e politicamente engajada contra uma elite econômica privilegiada, parasitária, encerrada em sua bolha, cheia de preconceitos e hipocrisia, sem compromisso social e humano (salvo o velho Harlan Thrombey que decide deixar tudo para a enfermeira). O diretor ao colocar a heroína latino-americana subvertendo o ciclo vicioso da acumulação hereditária com uma recompensa, segundo o detetive Blanc, para lá de merecida (a cena final da jovem no alto da sacada da mansão, com sua caneca sugestiva, encarando os combalidos descendentes de Thrombey que estão embaixo, simboliza a inversão social) encerra de forma apoteótica a “vingança” contra os abastados medíocres, esperançoso na mensagem de que os humildes e os bons ainda têm vez neste mundo onde as fortunas se acumulam com injustiças e crimes.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

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