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Cabo do Medo (1991)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 27 de fev. de 2023
  • 4 min de leitura

Direção: Martin Scorsese

Roteiro: James R. Webb e Wesley Strick

Elenco principal: Robert De Niro, Nick Nolte, Jessica Lange, Juliette Lewis, Joe Don Baker, Robert Mitchum, Gregory Peck, Illeana Douglas.

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Nick Nolte e Robert De Niro contracenam em Cabo do Medo (1991)

Remake do filme de J. Lee ThompsonCírculo do Medo, 1962” e claramente inspirado em grandes clássicos hitchicoquianos Martin Scorsese concebeu um dos melhores suspenses dos anos 90, lançando mão de elementos narrativos já consagrados na estética do lendário mestre do suspense (sobretudo os plow twist cínicos e oportunos), no entanto, condensando-os ao universo dos slasher’s, gênero cujo folego criativo já havia se consolidado ao longo da década anterior. “Cabo do Medo” narra os infortúnios da família Bowden atormentada pelo sádico, pervertido e sagaz Max Cady (Robert De Niro) que após amargar 14 anos na prisão pelo crime de agressão e estupro de uma adolescente, decide vingar-se de Sam (Nick Nolte), o defensor público que não teria se esforçado o suficiente para encurtar sua pena. Desta forma, o maníaco tatuado vai sorrateiramente assediando e encurralando o advogado por meio de estratagemas sujos e perversos, ainda mais quando percebe em Danielle (Juliette Lewis), a filha única de seu desafeto, o alvo perfeito para concluir seus planos macabros. O enredo do filme se articula através da narração da jovem filha de Sam, uma garota solitária, no desabrochar da puberdade hormonal, com uma relação distante e conflituosa com os pais, principalmente com a mãe Leigh (Jessica Lange). Incompreendida e desassistida pelo casal, Danielle se torna “isca fácil” para o psicopata sedutor e embusteiro. O roteiro de James R. Webb e Wesley Strick aborda os Bowden de forma sarcástica e impiedosa, caracterizando-os com um artificialismo hipócrita, cujos membros vivem sob uma aparente união que de fato não existe, cumprindo papéis meramente decorativos. Neste sentido, a família de Sam é o retrato do fracasso do pretenso ideal americano de felicidade, corroída e desintegrada em sua privacidade por traições, mentiras, vaidades, competições e convencionalismos, fatores que no fim das contas acabam contrabalanceados pela experiência limítrofe de escapar das mãos do terrível Cady, permitindo desta forma, o estreitamento de laços afetivos e sinceros antes desgastados. A construção de um vilão complexo, impetuoso e ameaçador não só do ponto de vista físico, mas, sobretudo, intelectual, confere muito mais substancia e emoção à trama, fazendo com que o personagem de De Niro esteja sempre um passo a frente de seu alvo, acuado e confuso com a esperteza e a sagacidade de um sujeito ex-analfabeto, formado dentro da própria prisão, influenciado pelas referências literárias e filosóficas que o transformam em uma espécie de “profeta do medo”. O aturdido advogado vai sendo gradativamente empurrado contra a parede pelo sádico maníaco que utiliza sua inteligência para confundir os princípios morais e jurídicos de Sam, debochando o tempo todo de suas limitações sociais como chefe de família e cidadão defensor da lei. Para o expectador fica claro que o ex-detento tem os Bowden sob controle bem na palma de sua mão durante boa parte do enredo, excesso de segurança que por sua vez leva à destruição do psicopata, já que ao final, a personagem de Juliette Lewis age corajosamente e inicia uma reação que culmina com a escapada de sua família e o sacrifício de seu algoz.

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Juliette Lewis e De Niro estrelam o suspense de Scorsese

“Cabo do Medo” propõe entre outras coisas uma reflexão importante acerca da relativização dos auspiciosos ideais civilizatórios, sugerindo como a imperfeição institucional e as lacunas legais estimulam o próprio comportamento bárbaro e primitivo. Certezas e seguranças são gradativamente abaladas, culminando na transformação da ação e dos métodos daquele que representa a ordem jurídica que na luta pela sobrevivência recorre aos mecanismos ilegais e criminosos para salvar sua família (Max Cady e Sam neste sentido podem se equivaler). Martin Scorsese constrói uma atmosfera de tensão e suspense que se avoluma a medida que o sarcástico ex presidiário com requintes de crueldade passa a infernizar os Bowden, além disso, a direção consegue criar em torno do irônico psicopata uma áurea gigantesca de perversidade e terror (próxima dos assassinos dos slasher’s), aperfeiçoada aqui num comportamento sempre provocativo, excêntrico e debochado. Scorsese se interessa pelo desenvolvimento dramático das cenas, com muitos planos fechados e alguns closes em perspectiva, extraindo reações e emoções dos personagens que denunciam dúvidas, intenções diabólicas, angústias, perturbações e o famigerado “medo”. Cabe ressaltar ainda a superficialidade e hipocrisia que permeiam as relações entre Sam, Leigh e Danielle captadas por uma câmera perspicaz, invasiva e reveladora. O longa conta com uma edição fluída e elaborada que exige do expectador uma participação ativa conectando eventos pontuais e seus desfechos, além da magnífica trilha orquestrada de Bernard Herrmann (também compositor dos temas da versão de 1962), soberba, atmosférica e envolvente que embala o suspense e o terror com muita propriedade. Destaque para as atuações de Robert De Niro na pele de Max Cady com seu jeitão canalha, cínico e burlador, controlando com versatilidade as oscilações psicológicas do personagem que confunde e desorienta todos ao seu redor, manifestando nos momentos oportunos violência e crueldade. Nick Nolte encarna muito bem o advogado de moral duvidosa (quando posto à prova), o pai de família ausente e negligente, convicto defensor das leis e da justiça, chocado com os labirintos e limitações que as próprias imperfeições legais apresentam, principalmente quando se trata de uma ameaça letal incapaz de ser desmascarada e quando seus princípios éticos como profissional estão com os alicerces abalados (Sam omite o laudo que poderia reduzir a pena de Max para apaziguar sua consciência). Juliette Lewis aparece aqui num papel que se repetiria ao longo de sua carreira, o da adolescente confusa, rebelde, inclinada a experimentar de forma inconsequente as descobertas sexuais da puberdade, mas suficientemente esperta e inteligente para enfrentar o perigo que ameaça sua desestruturada família. Já Jessica Lange tem presença marcante como a solitária e preterida Leigh, a esposa cansada das mentiras e infidelidades do marido, cujo comportamento ansioso e impulsivo denunciam a instabilidade e fragilidade do matrimonio. “Cabo do Medo” congrega o que há de melhor no maneirismo e na construção do suspense de mestres como Alfred Hitchcock e Brian De Palma, contudo, Scorsese ainda reelabora seu “thriller” lançando luz a um argumento sociológico que me pareceu central na obra, fundado na ideia de que a “civilização” e seus “ideais” podem não resistir ao teste brutal de uma ameaça imprevisível e quase incontrolável que põe em risco a sobrevivência.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

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