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Buster’s Mal Heart (2016)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 6 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 1 de fev. de 2023

Direção: Sarah Adina Smith

Roteiro: Sarah Adina Smith

Elenco principal: Jonás (Rami Malek), Marty Cueyatl (Kate Lyn Sheil), Roxy Cueyatl (Sukha Belle Potter), Último homem libre (DJ Qualls).

Rami Malek é "Jonás/Buster" no drama existencial de Sarah Adina Smith

Drama existencial trágico e repleto de simbolismos, "Busrter’s Mal Heart” de Sarah Adina Smith recorre à diversas sugestões surrealistas para propor, entre outras coisas, uma série de reflexões profundas sobre o sentido da vida em sociedade, o peso existencial das dificuldades econômicas e do trabalho opressor e como de alguma forma, estas questões cruciais incidem sobre o indivíduo, acarretando perturbação mental e instabilidade psicológica, podendo desencadear surto psicótico, violência e transformando de uma vez por todas a vida e o destino de um rapaz simples e dedicado, porém, constantemente desolado e desajustado em relação ao seu lugar no mundo. O roteiro também assinado pela realizadora americana possui um alto grau de subjetividade e profusão filosófica no que diz respeito às indagações e dilemas que suscita, relacionando-os à vida do jovem Jonás (Rami Malek) que ao que tudo demonstra, arrasta-se pelos dias com um peso gigantesco sobre as costas, seja pela auto cobrança em manter dignamente sua família, seja pelo desejo urgente em deixar a pequena casa que divide com os sogros (aspirando maior autonomia) ou mesmo pelo exercício de uma insuportável ocupação sem nexo e perspectivas, que o explora de forma cínica e perversa. Jonás é um homem que custa aguentar e adaptar-se (aliás, ele não se adapta) ou mesmo, aceitar a condição de mais uma mola da grande engrenagem de um sistema que para se perpetuar, alimenta-se da energia de centenas de milhões de pessoas como ele, que simplesmente aceitam seus destinos sem questionamentos e insurreições, alienadas e entregues às pequenas satisfações e sonhos comezinhos. Neste sentido, a construção de uma espécie de teoria/profecia doentia, obsessiva e apocalíptica, intitulada como a “grande inversão” vai sorrateiramente tomando espaço na mente do desalentado jovem, que acompanha constantemente pela televisão do hotel em que trabalha (não se sabe se o que ele vê na tv são projeções reais ou a gênese de sua insanidade) elucubrações de um cientista que relaciona teorias astronômicas com o surgimento de uma nova realidade e um novo homem (a trama do filme se passa em meados dos anos 90, período em que profecias apocalípticas pululavam, como o bug do milênio, etc.). Sendo assim, o pobre rapaz passa a adentrar num crescente de alucinações que o levam até o “Último Homem Livre” (DJ Qualls) - espécie de vontade personificada e alter ego do próprio protagonista – “convivendo” com o estranho forasteiro, “aparentemente” sendo influenciado por suas ideias conspiratórias e revolucionárias (mesmo com certa resistência de Jonás). Tal relação esquizofrênica culmina no surto psicótico que inevitavelmente lança o protagonista num ato covarde e hediondo, assassinando a própria mulher e filha, justamente as coisas mais preciosas de sua vida. Certamente que o roteiro não entrega tais eventos de maneira fortuita e banal, ao contrário, os motivos que levam Jonás a se transformar num misto de ermitão penitente e andarilho excêntrico (após o assassinato de sua família) são apresentados gradativamente através do desenvolvimento do personagem vivido por Rami Malek, um jovem cheio de ambições simples, que deseja uma vida melhor para sua companheira e filha, que trabalha exaustivamente num hotel que recebe figurões muito ricos (que se hospedam no local enquanto o mau clima persiste), que vive sob o mesmo teto com os sogros que o desprezam, sem conforto e liberdade, mas que se mostra uma pessoa muito amável, carinhosa e responsável.

O andarilho Buster/Jonás (Rami Malek) em "Buster's Mal Heart"

A narrativa de “Buster’s Mal Heart” é auxiliada por uma montagem que se num primeiro momento instiga e provoca, por outro, sensibiliza e nos atrai à medida que começamos a entender o destino e a encaixar as peças do quebra-cabeça do drama vivido por “Buster”, apresentando a nós, antes mesmo de Jonás. A famigerada figura taciturna, introspectiva e ousada que invade as mansões de ricaços nas geladas montanhas, para consumir seus benefícios e confortos, colocar tudo de cabeça para baixo (literalmente, por conta da grande inversão), despertando a ira dos ilustres moradores e lançando as autoridades locais em seu encalço, representa a pura manifestação anárquica, rebelde e meio niilista contra um sistema racionalmente estruturado e pactuado que se reproduz consciente e inconscientemente e que rejeita repulsivamente tamanha “aberração” comportamental e social, do pacato impertinente que se metamorfoseara no “Último Homem Livre”. A atuação de Rami Malek é sensível, envolvente, cheia de sentimento e inquietações quando se trata de Jonás e misteriosa, complacente e espirituosa quando se trata de Buster’s. Vale ressaltar que o entrosamento de Malek tanto com a garotinha Sukha Belle Potter (a filha Roxy), quanto com Kate Lyn Sheil (a esposa Marty) são espontâneas, sinceras e repletas de verdade e naturalidade. A ideia de “rompimento”, “transgressão” e “travessia” presentes explícita e implicitamente na trama, surge por meio de uma direção alinhada às abstrações subjetivas do roteiro, aos pormenores e detalhes dos ambientes e aos objetos e coisas cobertos de simbologia (o relógio, os números de ponta cabeça, a televisão com o desenho animado, o sapo de brinquedo e os sapos devorados no sonho, etc.), além é claro, da própria construção surrealista no que diz respeito a alguns momentos cruciais do enredo, sugeridos como alternativas alegóricas intrigantes (os dois caminhos que o protagonista toma simultaneamente, os sonhos de estar à deriva num bote no meio do mar questionando Deus, o desaparecimento repentino após o cerco policial e o despertar na areia da praia, metáfora do regurgitar da baleia no episódio do Jonas bíblico). Há de fato uma relação simbólica direta entre a condição de Jonás do filme e do profeta hebreu que deveria ir até Nínive anunciar o castigo divino, mas que acaba tendo seus planos frustrados quando uma baleia o engole. Ora, da mesma forma que o profeta consegue sobreviver no ventre da criatura marinha, ser expelido à terra e ter uma nova chance de anunciar a destruição da cidade para aqueles que pudessem se salvar, o Jonás do filme parece também ter uma nova chance, quando surge, lançado à costa da praia, na companhia do que parece ser sua companheira e filha. “Buster’s Mal Heart” possui a sinergia rebelde de filmes consagrados que articulam algumas mensagens semelhantes como “Clube da Luta", 1999, David Fincher ou até mesmo “Na Natureza Selvagem", 2007, Sean Penn, prevalecendo, no entanto, uma ambiguidade narrativa e visual que funciona mais como um” e se...”, levantando a discussão sobre os limites psicológicos, emocionais e sociais suportáveis ao indivíduo diante de uma ruptura tão brusca com o sistema cultural e de valores, construídos e legitimados pela civilização ao longo do tempo. Jonás mesmo sendo o arauto da grande inversão, traz consigo a perturbação consciente de um ato brutal e de um pecado irreparável, não conseguindo encarar a si próprio, tamanha atrocidade que culminou com sua renúncia quase completa com a realidade. Talvez a mensagem do filme possua alguma cautela ou reticência, titubeando em relação a um ímpeto que subverta completamente os pilares de tudo que referencia nosso mundo, tanto crenças como valores, ou talvez, a obra de Sarah queira mostrar que a semente do absurdo, do caos e da destruição já esteja latente no interior de cada homem comum, podendo aflorar perniciosamente se estimulada por algum gatilho psicótico.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

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