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Bela Vingança (2020)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 24 de mar. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 2 de jan. de 2024

Direção: Emerald Fennell

Roteiro: Emerald Fennell

Elenco principal: Carey Mulligan, Bo Burnham, Alison Brie, Connie Britton, Adam Brody, Jennifer Coolidge, Laverne Cox, Alfred Molina, Chris Lowell, Max Greenfield.

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Carey Mullygan interpreta Cassandra em "Bela Vingança" título brasileiro para "Promising Young Woman"

Primeiro filme da britânica Emerald Fennell, "Bela Vingança” parece buscar legitimidade nessa tendência mais contemporânea de desconstrução de certos de clichês tradicionalmente identificados ao cinema de gênero. O roteiro engajado em suas sutilezas insinuantes e reflexivas atesta com convicção a tese machista e opressora das estruturas sociais, viabilizando a escolha de uma cinematografia intencionalmente cínica e calcada no choque entre o que aparenta ser e o que de fato é. Devastada por um doloroso trauma diretamente causado por um grupo de homens, Cassie (Carey Mulligan) extravasa suas dores frequentando bares e fingindo-se embriagada, até atrair algum sujeito escroto e mal intencionado em relação à sua suposta condição vulnerável para então, coloca-lo em seu devido lugar. Remoendo a perda irreparável da melhor amiga, cansada da vida, da dinâmica machista e sexista constantemente experimentada, a protagonista não sabe muito bem que rumo tomar, até que Ryan (Bo Burnham) um ex-colega de faculdade surge como uma exceção rara para um novo recomeço e uma nova chance de relacionamento com homens. Não demora muito para que as feridas ainda abertas voltem a sangrar já que Cassandra descobre uma filmagem que incrimina não só Monroe (Chris Lowell), o artífice do estupro de sua amiga, como também seu novo namorado, estimulando a desalentada jovem sem mais nada a perder, a bolar um plano de vingança implacável. O roteiro assinado pela própria Fennell desenvolve uma trama inteligente que despista pela falsa modéstia, uma vez que já na aparente banalidade do prólogo, o expectador é levado ao intrigante exercício especulativo do que teria acontecido ao sujeito dissimulado e abusador, tendendo a acreditar na pseudo evidencia de um assassinato perpetrado por uma serial killer sorrateira. Ora, a cineasta brinca e manipula as expectativas com habilidade ao longo do filme, intrigando e sugerindo dúvidas, permitindo ao observador o exercício de emendar uma ponta na outra, e aos poucos, montar um tecido aprazível que caiba na verossimilhança narrativa. A reelaboração criativa e apreensiva do tema da “vingança” opta pelo mistério em relação à natureza da violência levada a cabo pela protagonista que tem suas intenções reveladas, motivos plausíveis e suas ações legitimadas à medida que a história progride. Quando se inicia o acerto de contas com os envolvidos na tragédia que vitimou sua melhor amiga (curiosamente dividido em quatro partes ou atos), Cassie age não sem antes plantar mais uma incerteza em nossa cumplicidade, supostamente contrariando princípios éticos e “rebelando-se” também contra figuras femininas como Madison (Alison Brie), sua ex-colega de curso e a conivente reitora da faculdade, ambas experimentando psicologicamente o gostinho desumano da vergonha a qual preferiram ignorar. O estudo de personagem aponta para uma mulher que rompeu seus vínculos sociais e afetivos, tão arrasada pelo trauma de um crime machista brutal e impune, desacreditado pela comunidade universitária e pela justiça, fato impiedoso que ressoa no próprio nome da moça, referência direta à Cassandra da mitologia grega, figura fadada à descrença e rotulada de mentirosa pelos caprichos do rejeitado Apolo.

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Cassie (Carey Mulligan) se finge embriagada para atrair abusadores e vingar-se em grande estilo

Para a desacreditada vingadora lhe sobra talvez algum prazer mórbido em humilhar e ridicularizar por completo aqueles que segundo sua perspectiva, são os verdadeiros responsáveis pela manutenção injusta de um sistema que oprime, abusa e coisifica as mulheres. Há por traz desta história lúgubre e realista, uma tese feminista radical em relação aos homens e a legitimação da cultura patriarcal que a própria sociedade alimenta de forma tóxica, sobretudo, aquelas que sofrem suas injustiças. O filme de Fennel desfila uma série de tipos masculinos imprestáveis, abusadores e imbecilizados, não se interessando em problematizar com interesse as exceções, algo que discretamente ocorre ao atormentado advogado, depressivo e arrependido vivido por Alfred Molina ou por Ryan cuja carapaça de bom moço sensível e sincero cai logo por terra, podendo suscitar algum incomodo entre o público masculino, mas, nada que esta mesma plateia consciente e identificada à tragédia da personagem de Mullingan não ratifique. Ironicamente a morte de Cassandra, ainda que prevista, confere de maneira geral, um tom melancólico revoltante e uma sensação de injustiça que sensibiliza e identifica ainda mais o expectador com os motivos legítimos desta improvável heroína. A direção perspicaz do longa constrói uma atmosfera cínica e permeada de um humor sarcástico para retratar o universo masculino e a manifestação de comportamentos machistas, com uma câmera atenta às representações com certo exagero, escrachadas e caricaturais. Por outro lado, a cineasta estabelece uma mise-en-scene provocativa, que apela de forma irônica para os clichês e metáforas visuais, suscitando o choque entre aparência e essência por meio de planos discretamente abertos que absorvem um design de produção assaz alegre e juvenil, assim como uma protagonista aparentemente delicada em seu figurino descontraído, colorido e meigo que se aproveita desta lógica convencional e de padronizações simplistas do universo feminino para atrair suas presas e garantir mais um risquinho em sua lista de vingança. O equilíbrio dramático é sóbrio, pois a obra transita com desenvoltura entre o terror, o humor sarcástico, o drama e até a comédia romântica, mas sem perder de vista suas premissas narrativas mais inclinadas ao thriller apreensivo, repleto de situações reveladoras, atuações comprometidas e diálogos tensos. Destaque para a atuação intimista e carregada que Carey Mulligan empresta a Cassie que por trás da aparente delicadeza e vulnerabilidade, esconde uma desilusão avassaladora e um ódio destruidor, nada que seu semblante circunspecto e olhar frio não denunciem. O uso inteligente da edição que entrega o essencial sob medida, torna o filme muito mais convidativo e intrigante, chamando à atenção a eloquência apoteótica do desfecho, primorosamente montado e tristemente catártico. Além disso, o uso oportuno da trilha, funcionando sempre no sentido de extravasar o efeito dramático recorre a uma série de canções icônicas e sugestivas como “Boys, Charli XCX”, “Stars Are Blind, Paris Hilton”, “Toxic, Britney Spears” e “Angel Of The Morning, Juice Newton”. “Bela Vingança” é uma obra madura, inteligente e promissora, sintonizada à linguagem de gêneros cinematográficos que reelabora com originalidade e ousada na mensagem social urgente e necessária que propõe.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

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