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Advogado do Diabo (1997)

  • Foto do escritor: Ábine Fernando Silva
    Ábine Fernando Silva
  • 11 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de mar. de 2021

Direção: Taylor Hackford

Roteiro: Jonathan Lemkin e Tony Gilroy

Elenco principal: Keanu Reeves, Al Pacino, Charlize Theron, Judith Ivey, Jeffrey Jones, Connie Nielsen.

Keanu Reeves contracena com Al Pacino numa de suas melhores performances no cinema

Adaptação do romance homônimo do escritor norte americano Andrew Neiderman, “Advogado do Diabo” do diretor Taylor Hackford tende muito mais para o drama e o suspense ocasional do que para o terror propriamente dito, aspecto que explora a partir de um viés psicológico, utilizando o elemento sobrenatural como uma espécie de termômetro do livre arbítrio de um sujeito consumido pela vaidade obsessiva e pela ganância que o faz romper os próprios limites ético-morais, numa trama que ainda reflete acerca da atividade jurídica, sua capilaridade social e tendência a distorcer retoricamente o sentido dos fatos de acordo com as conveniências. O competitivo e vaidoso jovem advogado Kevin Lomax (Keanu Reeves) que jamais perdeu uma causa se quer nos tribunais da Flórida aceita uma inesperada e atraente proposta para trabalhar num promissor escritório de advocacia em Nova York, cujo misterioso dono John Milton (Al Pacino) passa a exercer gradativamente uma influência estranha, sedutora e maléfica sobre o talentoso rapaz e sua esposa Mary Ann (Charlize Theron) que mergulha “inexplicavelmente” em crises psicológicas e perturbações após a nova rotina de vida do marido e a breve convivência com as novas amizades. Conforme Kevin alcança admiráveis êxitos em seus novos casos, a ambição convicta e a luxúria tomam conta de sua mente e comportamento, no mesmo compasso da deterioração mental e doentia da companheira. As cartas estão na mesa e o dilema está traçado, cabendo ao vaidoso advogado decidir-se entre a entrega inconsequente e deliberada aos prazeres e vícios do poder ou a contenção virtuosa e convicta da retidão e justiça. O roteiro de Jonathan Lemkin e Tony Gilroy desenvolve a trama apoiando-se numa moralidade bíblica da realidade que estabelece referências às vezes explícitas, às vezes implícitas a episódios conhecidíssimos da mítica judaico-cristã como “a vida de Jó”, “a tentação de Cristo no deserto”, “a parábola do filho pródigo” ou “sacrifício do Messias na cruz”, traçando paralelos entre estes simbólicos eventos bíblicos e as atitudes e reações de Lomax sob forte sugestão do sagaz e sorrateiro John Milton (referência escrachada ao poeta inglês do século XVII, autor de O Paraíso Perdido). Explora-se a jornada de ascensão, queda e redenção do protagonista chamando a atenção o desenvolvimento das interações dramáticas, principalmente daquelas cenas em que se destacam o personagem de Keanu Reeves com os dos ilustres coadjuvantes Al Pacino e Charlize Theron, emocionalmente intensas e exigentes, repletas de diálogos ácidos e inteligentes que revelam personalidades, motivações e visão de mundo. O terror sobrenatural embora se apresente para justificar o poder, a maldade e a sedução do Diabo que pretende cooptar o filho para sua terrível causa funciona mais para reforçar o tom inconsequente, reprovável e condenatório dos caminhos escolhidos pela ambição de Kevin, deixando o argumento da concepção do Anticristo no clímax pouco convincente em relação aos propósitos, como uma espécie de sacada oportuna pra justificar o movimento ambíguo de atração e de armadilha de Milton ao longo dos acontecimentos na segunda parte do filme. Já o último ato reserva um “plot twist” criativo e aí sim oportuno ao sugerir que a trajetória do personagem de Keanu Reeves poderia ser fruto de um devaneio louco e destrutivo durante o julgamento do pedófilo ou então de uma segunda chance redentora, resultado da misericórdia divina que reconhece o auto sacrifício daquele que se arrepende de uma escolha má.

Kevin Lomax (Keanu Reeves) não suspeitava dos planos diabólicos do pai John Milton (Al Pacino)

O roteiro ainda reflete sobre os contextos de uma profissão visceral e influente que por natureza lança seus tentáculos em qualquer área de atuação humana, recorrendo às artimanhas retóricas em nome de interesses escusos e financeiros, subvertendo desta forma, consciências e valores éticos. Kevin Lomax personifica a vaidade e a competitividade profissional, o vale tudo do direito, do resultado positivo nos tribunais, pouco importando a verdade e a justiça, tornando-se “presa fácil” para o experiente e ardiloso Milton que seduz o filho estimulando-lhe o senso de superioridade, a luxúria e a satisfação pessoal dos desejos, tudo isto, com ousada grandiloquência humanista, desconstruindo o maniqueísmo tradicional. Para o Diabo de Al Pacino, Deus age contra o ser humano ao atribuir-lhe uma natureza que o inclina aos prazeres, isentando-se em seguida da responsabilidade de sua própria criação, estabelecendo regras e punições que só escancaram o absurdo de uma existência que necessita anular-se para receber a graça divina. No entanto, a sagacidade dos argumentos de John Milton carrega sua dose de contradição e intenção maléfica, uma vez que “o diabo tenta”, mas não é capaz de escolher ou agir no lugar do influenciado, deixando clara a responsabilidade única e exclusiva de quem decide e age. É a partir desta compreensão que o expectador decifra o gesto suicida de Lomax, cujo simbolismo auto sacrificial denota desprendimento, decepção consigo mesmo, frustração, mas, sobretudo, arrependimento que o lança no loop da segunda chance. Taylor Hackford se interessa muito pelos efeitos dramáticos das cenas, com enquadramentos que dão atenção mais à performance do elenco do que aos cenários, como em tramas novelescas, numa direção que intensifica as reações emotivas na medida certa do fluxo narrativo. Embora o cineasta exagere na construção de um clima sensual, explorando corpos, expressões, gestos e olhares com uma câmera voyeur indiscreta para dar ensejo à luxúria do protagonista, o tom se torna gratuito e erotizado demais. As fotografias em cores vivas, os ambientes diurnos e iluminados em boa parte do filme não combinam tanto com a intenção sombria do tema ou a proposta do terror que encontra vazão numa trilha instrumental orquestrada, solene e misteriosa, usada em ocasiões mais tensas. O interesse narrativo tende a esmorecer um pouco no segundo ato, nada que prejudique a experiência imersiva, uma vez que expectativa logo retorna aos eixos quando o protagonista vai se dando conta das escolhas tolas que fez e a história vai ganhando ares de “lição de moral”. Keanu Reeves talvez esteja num dos papéis que mais lhe exigiram como ator, cujas camadas psicológicas e extravasos emocionais requeridos revelam a dificuldade do desafio. Al Pacino tem a maturidade, a desenvoltura o sarcasmo natural para viver o demoníaco convincente John Milton e Charlize Theron entrega uma Mary Ann mais complexa, perturbada e intensa à medida que as influências malignas do novo ciclo de amizades do marido passam a desestabilizá-la, provando seu talento incontestável na cena do suicídio, uma das mais chocantes do filme. “Advogado do Diabo” funciona perfeitamente como um drama de cunho moral, acenando para um suspense de passagem e recorrendo a um terror tão discreto que o expectador mal se dá conta. Créditos para Taylor Hackford que alcançou momentos memoráveis muito bem contracenados por um elenco de astros acima de qualquer suspeita.


Por: Ábine Fernando Silva

 
 
 

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